
O governo federal intensificará o controle sobre as empresas de apostas de quota fixa, conhecidas como bets. A partir de terça-feira, 1º de outubro, as empresas que não solicitaram autorização para operar terão suas atividades suspensas.
“Se a empresa sequer pediu autorização, não podemos entender que ela pretende se adequar”, afirmou Regis Anderson Dudena, advogado e secretário de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (SPA). Dudena, que também está cursando doutorado em direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), estuda o sistema financeiro nacional e a repressão a crimes administrativos e penais.
Em entrevista à Agência Brasil, Dudena destacou que o fortalecimento da exigência de autorização foi viabilizado após a criação de uma lei que regulamenta o setor (Lei nº 14.790). Essa norma, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Lula em 29 de dezembro de 2023, atribui ao Ministério da Fazenda a responsabilidade de autorizar e definir condições e prazos para a regularização das empresas de apostas. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
Agência Brasil: O ministro Fernando Haddad recentemente descreveu as apostas de quota fixa em jogos eletrônicos como uma “pandemia”, além de mencionar a dependência psicológica que elas podem causar. Diante disso, por que é importante manter a autorização para as bets? Como o processo regulatório conduzido pelo SPA pode ajudar a mitigar esses problemas apontados pelo ministro?
Regis Dudena: Os principais problemas relacionados às apostas decorrem da ausência de regulamentação. Problemas como saúde mental e endividamento estão frequentemente ligados a uma atuação descontrolada e sem regras de alguns agentes. Identificamos dois grupos dentro desse cenário: um que utiliza o setor de apostas para golpes e crimes, e outro que explora os apostadores. A regulação permitirá filtrar ambos. Aqueles que não desejam se adaptar às regras serão excluídos, enquanto os que se regularizarem terão que seguir normas rígidas.
Assim, a regulação e a autorização agem de duas formas: afastam os agentes mais nocivos e monitoram os que ficam. O Congresso Nacional legalizou a atividade, então é fundamental que o governo atue regulando e controlando esses dois grupos.
Agência Brasil: O governo determinou, por meio de uma portaria, que a partir de outubro as bets sem pedido de autorização sejam suspensas. Isso foi antecipado devido a uma repercussão negativa?
Dudena: Existem dois fatores. Claro, consideramos a repercussão negativa e as preocupações da sociedade, mas o principal motivo é regulatório. Observamos que grupos que não solicitaram autorização estão operando de maneira mais agressiva e oportunista contra os apostadores. A pedido do ministro Haddad, iniciamos uma fiscalização antecipada, pois, se a empresa não solicitou autorização, não podemos considerá-la disposta a se adaptar.
Agência Brasil: Qual é a expectativa da SPA em relação ao número de empresas que solicitarão autorização?
Dudena: O processo de autorização é contínuo, e qualquer empresa ou grupo econômico pode solicitá-lo a qualquer momento. Existem dois procedimentos: o padrão, com um prazo de 180 dias para análise, e o de adequação, que se aplica às empresas que já estão operando. Para quem solicitou até 20 de agosto, garantimos uma resposta até o final deste ano, com um prazo menor que 180 dias para análise.
Agência Brasil: O governo pretende proibir o uso de cartões de crédito nas apostas?
Dudena: Recebemos várias demandas sobre normas específicas, sendo uma delas o uso de cartão de crédito. No entanto, o cartão de crédito representa menos de 5% dos pagamentos, enquanto cerca de 95% são feitos via Pix.
Agência Brasil: O uso do Pix sugere que o perfil dos apostadores seja de classes mais populares?
Dudena: Não necessariamente. O uso do Pix reflete a estrutura social do Brasil. A partir de janeiro, quando tivermos dados mais concretos das empresas autorizadas, poderemos entender melhor o perfil dos apostadores.
Agência Brasil: Alguns estudos indicam que o aumento da renda dos brasileiros foi absorvido pelo gasto com apostas, impactando o setor varejista. Há também relatos de que beneficiários do Bolsa Família estão gastando com bets. O SPA tem alguma avaliação sobre isso?
Dudena: Estamos acompanhando esses estudos atentamente. Sabemos que o setor precisa ser regulado e que os apostadores devem ser protegidos. Esse é o nosso foco. A regulamentação está avançando, e estamos continuamente aprimorando as regras para garantir a proteção dos apostadores.
Agência Brasil: Já existem normas para proteger os apostadores?
Dudena: Sim, uma portaria de jogo responsável já foi estabelecida e entrará em vigor a partir de 1º de janeiro, juntamente com outras regulamentações específicas.
Agência Brasil: O SPA está trabalhando em medidas relacionadas à publicidade das apostas?
Dudena: A Lei 14.790 nos concede o poder de notificar e derrubar sites ilegais. Estamos desenvolvendo um sistema em parceria com plataformas e redes sociais para remover publicidade de empresas não autorizadas.
Agência Brasil: Há alguma colaboração com o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) sobre a publicidade de apostas?
Dudena: O Conar já tem regras específicas para o setor de apostas. Além disso, podemos criar normas complementares para a divulgação. É importante que as pessoas entendam que a aposta é um entretenimento, não um meio de ganhar dinheiro ou complementar a renda.
Agência Brasil: As bets já estão adotando essa postura em seus sites e redes sociais.
Dudena: Exatamente. É fundamental que as pessoas tenham clareza sobre o que são as apostas.
Agência Brasil: Algumas propagandas na TV destacam a ideia de que “para ganhar dinheiro, só com trabalho duro”.
Dudena: Notamos que as próprias empresas estão entendendo que suas campanhas publicitárias não podem induzir o público a erro. Estamos focados em garantir que a publicidade, principalmente no ambiente digital e entre influencers, siga as regras estabelecidas.
Agência Brasil: A portaria de jogo responsável inclui cláusulas sobre publicidade?
Dudena: Sim, há um capítulo inteiro dedicado às restrições de publicidade e outro sobre os influencers e afiliados. Trabalhamos muito para garantir que essas normas sejam claras e eficazes.
Agência Brasil: Quais são as estimativas sobre o impacto das apostas na economia nacional?
Dudena: As estimativas variam entre dezenas de bilhões e centenas de bilhões de reais. Não temos clareza total, o que reforça a necessidade de regulamentação para entender melhor o tamanho e os efeitos desse mercado no Brasil. A partir de janeiro, com o Sistema de Gestão de Apostas (Sigap), teremos dados mais precisos para avaliar o mercado.
Agência Brasil: O uso das bets para explorar apostadores e cometer crimes já foi identificado. Que crimes são esses?
Dudena: Estamos avaliando mais de uma centena de empresas. Não comentamos casos específicos, mas já identificamos práticas irregulares no setor.
Edição: Agência Brasil.
Fonte: Diário Corumbaense.