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A reforma tributária aprovou a criação do Imposto Seletivo (IS), um tributo direcionado a produtos considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente. Entre os itens atingidos estão as bebidas açucaradas, como os refrigerantes. A proposta parte do princípio de desestimular o consumo e, assim, contribuir para a redução de doenças crônicas, como obesidade e diabetes. No entanto, especialistas avaliam que o impacto positivo na saúde pública pode ser limitado e que o modelo atual tende a gerar mais arrecadação do que benefícios concretos.

Imposto aprovado avança sem metas claras de saúde

O texto que institui o Imposto Seletivo foi aprovado pelo Senado em setembro e passou a ser debatido na Câmara dos Deputados. A proposta estabelece um teto de 2% para a alíquota, apresentado como um mecanismo técnico para garantir previsibilidade tributária e segurança jurídica durante a transição do novo sistema.

Apesar disso, uma das principais críticas é a ausência de definição sobre o destino dos recursos arrecadados. A legislação não determina que o valor obtido com o imposto seja aplicado em políticas de saúde, o que enfraquece o caráter extrafiscal da medida.

Risco de imposto virar apenas ferramenta de arrecadação

Sem metas sanitárias estabelecidas nem vinculação dos recursos a programas públicos, o Imposto Seletivo corre o risco de funcionar como um instrumento genérico de arrecadação. A falta de indicadores para medir a efetividade da política dificulta o acompanhamento dos resultados e compromete sua legitimidade constitucional.

Outro ponto controverso é a incoerência na seleção dos produtos tributados. Enquanto bebidas açucaradas entram na lista do IS, o açúcar refinado permanece isento por ser considerado essencial. Além disso, outros alimentos altamente calóricos, ricos em gorduras ou sódio, ficaram fora da tributação, o que pode gerar questionamentos jurídicos e insegurança regulatória.

Experiência internacional reforça limitações da medida

A aplicação de impostos sobre bebidas açucaradas já foi testada em países como México e Chile, enfrentando dificuldades semelhantes. Estudos indicam que, embora o imposto tenha formulação simples, ele não é capaz de sustentar, de forma isolada, uma política pública eficaz de combate à obesidade.

Pesquisas apontam que doenças como obesidade e diabetes têm causas múltiplas, que envolvem fatores como genética, sedentarismo e hábitos alimentares diversos. Concentrar a política pública em apenas um tipo de produto tende a gerar resultados limitados e pouco consistentes do ponto de vista da saúde coletiva.

Consumo cai, mas obesidade segue em alta no Brasil

Dados do sistema Vigitel mostram que o consumo de refrigerantes no Brasil caiu mais de 50% nos últimos 17 anos. Ainda assim, a prevalência da obesidade entre adultos mais que dobrou no mesmo período. O descompasso entre esses indicadores reforça a avaliação de que a simples tributação de bebidas açucaradas não é suficiente para reverter o avanço das doenças crônicas no país.

Efeitos econômicos preocupam especialistas e setor produtivo

Além das dúvidas sobre a eficácia sanitária, o Imposto Seletivo também levanta preocupações econômicas. Um dos principais pontos é o caráter regressivo do tributo, que tende a pesar mais no orçamento das famílias de baixa renda, já que incide diretamente sobre o consumo.

Outro alerta é o aumento simultâneo da carga tributária, considerando tanto o novo imposto quanto a elevação decorrente do IVA. Pequenos negócios, bares, restaurantes e ambulantes podem ser diretamente impactados, já que bebidas açucaradas representam parcela relevante do faturamento e ajudam a equilibrar as contas desses estabelecimentos.

Risco de mercado ilegal e produtos sem controle sanitário

A elevação de preços no mercado formal também pode estimular a expansão do comércio clandestino. Estudos indicam que tributos seletivos podem incentivar o consumo de produtos similares de menor qualidade e com menos controle sanitário, ampliando riscos à saúde e reduzindo a arrecadação formal.

Caminho mais eficaz exige políticas integradas

A literatura científica aponta que medidas isoladas têm impacto reduzido sobre indicadores como o índice de massa corporal. Revisões internacionais mostram que políticas públicas eficazes precisam combinar educação alimentar, incentivo à atividade física, ações estruturais de saúde e estabilidade regulatória para os setores produtivos.

Mais do que elevar impostos, o desafio do Brasil está em adotar estratégias baseadas em evidências, capazes de gerar benefícios reais à saúde da população sem comprometer o consumo, o emprego e a segurança jurídica. O debate em torno do Imposto Seletivo reforça a necessidade de equilíbrio entre arrecadação, saúde pública e desenvolvimento econômico.

Fonte: https://www.jota.info/coberturas-especiais/imposto-seletivo-sobre-refrigerantes-pode-onerar-consumo-sem-melhorar-saude