6 min 5 horas

Durante mais de um século, o Pantanal foi ocupado por um modelo produtivo adaptado ao ritmo natural das cheias e vazantes. As grandes fazendas tradicionais, apesar de extensas, operavam com pecuária extensiva, infraestrutura limitada e uso do solo condicionado à dinâmica da inundação periódica. Esse sistema, embora não isento de impactos, manteve por décadas um equilíbrio relativo entre produção econômica e preservação ambiental em um dos biomas mais sensíveis do planeta.

📉 Mudança acelerada no uso do solo nas últimas décadas

Esse arranjo histórico começou a se transformar de forma intensa nas últimas duas décadas. A alteração não se reflete apenas na paisagem, no avanço da pecuária intensiva ou no aumento da ocorrência de grandes incêndios, mas também nos dados oficiais sobre a estrutura fundiária.

Um cadastro rural consolidado em 2025, elaborado a partir do cruzamento de bases como o Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) e o Cadastro Ambiental Rural (CAR), revela que o controle das maiores áreas do Pantanal passou a ser dominado por grupos econômicos e financeiros, com lógica produtiva cada vez mais distante do funcionamento ecológico da planície alagável.

📊 O que revela o cadastro fundiário de 2025

O levantamento identificou 356 grandes propriedades rurais com áreas localizadas no Pantanal de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, todas com extensão superior a 11,4 mil hectares. Juntas, essas áreas somam aproximadamente 8,9 milhões de hectares, evidenciando o peso do topo da estrutura agrária sobre o bioma.

Embora não tenha caráter censitário, o cadastro funciona como uma amostragem qualificada, capaz de mostrar quem controla as maiores áreas contínuas e como esse domínio territorial vem sendo reorganizado ao longo do tempo.

🧭 Concentração extrema no topo da estrutura agrária

Os dados apontam para um padrão de concentração fundiária extrema. Dentro desse universo, dez propriedades individuais ultrapassam 60 mil hectares, formando grandes blocos territoriais que alteram profundamente a escala da ocupação privada no Pantanal.

A terra pantaneira passa a cumprir múltiplas funções econômicas: atua como reserva de valor, como ativo financeiro para acesso a crédito e como base para conversão ambiental, na qual a vegetação nativa perde espaço para a expansão da pastagem.

🐄 Grandes fazendas simbolizam nova lógica de ocupação

Entre as maiores propriedades identificadas está a Fazenda Cristo Redentor, localizada em Miranda, com 132.660,89 hectares, atualmente integrada à lógica do agro corporativo, com foco em produção pecuária em larga escala. O caso se tornou emblemático tanto pela dimensão territorial quanto pelos conflitos ambientais associados à intensificação produtiva.

Também se destacam áreas como a Fazenda Bodoquena, com 118.565,60 hectares, que ilustra a permanência histórica da concentração de terras no bioma, além de outras grandes propriedades distribuídas por municípios como Cáceres, Porto Murtinho, Poconé, Corumbá e Aquidauana.

🌱 Conservação é exceção em meio ao avanço produtivo

Entre as grandes áreas identificadas, uma das poucas exceções é a Estância Ecológica Sesc Pantanal, voltada integralmente à conservação ambiental, pesquisa científica e preservação da dinâmica natural das cheias. As demais propriedades operam em escala considerada incompatível com o modelo tradicional pantaneiro, baseado em baixa intervenção humana.

⚠️ Fragmentação cadastral dificulta fiscalização

O cruzamento entre os registros do CAR e do SNCR também evidenciou um problema estrutural: a fragmentação cadastral. Grandes áreas contínuas aparecem divididas em múltiplos imóveis no papel, o que dificulta a fiscalização ambiental, a responsabilização por infrações e o controle efetivo do uso do solo.

Esse cenário se agrava diante da fragilidade da fiscalização estatal e do aumento de eventos extremos, ampliando os riscos ambientais em um bioma altamente dependente do equilíbrio hídrico.

🔥 Pantanal sob risco em meio à crise climática

O avanço da pecuária em larga escala, aliado à mudança climática, à pressão fundiária e a um marco regulatório permissivo, aponta para um processo contínuo de transformação do Pantanal. O bioma passa a ser tratado como uma fronteira de expansão do capital agropecuário, com impactos diretos sobre sua biodiversidade e resiliência ambiental.

🌍 Um futuro incerto para o bioma

Ao revelar quem controla a terra e como o uso do solo vem sendo reorganizado, o cadastro fundiário de 2025 expõe um processo silencioso, porém decisivo: a substituição de um sistema produtivo moldado pelas cheias por um modelo intensivo, concentrado e financeirizado.

Para pesquisadores e ambientalistas, essa combinação de transformações fundiárias e crise climática global ajuda a explicar por que cresce a preocupação com o risco real de perda das características que historicamente definiram o Pantanal como um dos maiores patrimônios naturais do planeta.

Fonte: https://www.campograndenews.com.br/meio-ambiente/cadastro-fundiario-expoe-como-o-pantanal-mudou-de-dono-e-de-uso-do-solo